Esnestina, a mulher do sapateiro
“Tens os olhos dele”, dizia-me ela,
e virava-se para a minha velha tia “Esses são
os olhos que eu vi!” E voltava a contar
como São Francisco a agarrou no bosque
quando ela era uma rapariga. Dominic,
o seu marido, não ficava nunca quieto
quando ela falava disso, levantava-se devagar
da cadeira Morris e ia até lá fora,
pelas filas de couve e milho
até ao celeiro, aos seus martelos e formas.
“Deixou-me o coração sem fôlego,”
disse ela, os dedos encarquilhados no peito.
“Não foi como tu pensas. Ele era uma força,
um animal. E a chuva desabou, e agarrou-me ali,
o vestido colando-se, revelando o meu corpo.”
Quando eu queria escapar
e sentar-me entre as hervas de cheiro intenso
no jardim, elas largavam-me
e continuavam a falar por trás das cortinas
que inspiravam e expiravam no ar moroso,
e rezavam o rosário juntas,
sussurrando os Mistérios. “Não a irrites,
dizia a minha mãe. “É uma bruxa
e pode deitar-te mau olhado.”
“Essa conversa é tolice”, dizia a tia.
Sempre que saíamos, ela agarrava-me
pelos braços e inclinava-se – “Não te esqueças,
o que ela conta foi apenas um sonho!”
Mas lembro-me de Dominic martelar como um sino,
e de ela dizer que até as húmidas árvores tremiam.
Frank Gaspar
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