quinta-feira, 17 de maio de 2012

Tradução do texto "Translation of Children's Literature", Zohar Shavit


Normas de Tradução de Livros Infantis
            Ao contrário de tradutores contemporâneos de livros para adultos, o tradutor de literatura infantil pode dar-se a grandes liberdades no que diz respeito ao texto, como resultado da posição periférica da literatura infantil dentro do polissistema literário. Isto é, o tradutor pode manipular o texto de várias maneiras alterando-o, aumentando-o, condensando-o, apagando ou acrescentando elementos. No entanto, todos estes processos tradutórios apenas são permitidos se forem condicionados pela adesão do tradutor aos seguintes dois princípios nos quais a tradução para crianças é baseada: uma adaptação do texto para o tornar apropriado e útil para a criança, de acordo com o que a sociedade considera (em determinada altura) didacticamente “bom para a criança”; e uma adaptação do enredo, da caracterização e linguagem, prevalecendo as percepções da sociedade relativamente às capacidades de leitura e compreensão das crianças.
            Estes dois princípios, enraizados na auto-imagem da literatura infantil, tiveram diferentes relações hierárquicas em períodos distintos. Assim, por exemplo, enquanto o conceito de literatura infantil didáctica prevalecesse, o primeiro princípio, baseado na compreensão da literatura infantil como uma ferramenta de educação, seria dominante. Hoje em dia, a ênfase difere; embora até um certo nível o primeiro princípio ainda dite o carácter das traduções, o segundo princípio, o de ajustar o texto ao nível de compreensão da criança, é mais dominante. Contudo, é possível que os dois princípios nem sempre se complementem: por vezes, até podem contradizer-se. Por exemplo, pode pressupor-se que uma criança consegue compreender um texto que envolva a morte e, ao mesmo tempo, o texto pode ser visto como prejudicial ao seu bem-estar mental. Numa situação destas, o texto traduzido pode eliminar, completamente, um aspecto a favor de outro, ou talvez até inclua características contraditórias, porque o tradutor hesitou entre os dois princípios. De qualquer forma, estes princípios geralmente complementares determinam cada etapa do processo de tradução. Ditam decisões relacionadas com o procedimento de selecção textual (quais os textos escolhidos para tradução), tal como com a manipulação admissível. Também servem como base para a afiliação sistémica do texto. Mas acima de tudo, de modo a ser aceite como um texto traduzido para crianças, para estar afiliado com o sistema infantil, o produto final da tradução tem de cumprir estes dois princípios ou, pelo menos, não os violar.

Nível de Complexidade do Texto
            Como referido anteriormente, a integralidade do texto é directamente afectada pela necessidade de o encurtar e pela exigência de um texto menos complicado. Ao encurtar um texto, os tradutores têm de garantir que reduzem, também, as proporções entre elementos e funções, fazendo com que menos elementos carreguem ainda menos funções. Em contraste com a literatura para adultos canonizada, na qual a norma de complexidade é a que mais prevalece hoje em dia, a norma de modelos simples e simplificados ainda é proeminente na maior parte da literatura infantil (canonizada ou não), tal como no caso do sistema para adultos não-canonizado. Esta norma, enraizada na auto-imagem da literatura infantil, tem tendência a determinar não só as temáticas e a caracterização do texto, mas também as suas opções relativamente a estruturas admissíveis.
            No que se refere à questão da complexidade, o texto Alice no País das Maravilhas é bastante interessante. No capítulo 3 de Poética da Literatura para Crianças (Shavit, 1986), indaguei como teria sido aceite o texto por parte de adultos e descobri que foi o resultado das mesmas características que mais tarde adaptadores e tradutores consideraram impróprios para crianças. Aqui abordo, brevemente, o problema do ponto de vista oposto – isto é, para mostrar como o texto se tornou próprio para crianças, questiono quais os elementos alterados de modo a tornar o texto, na opinião do tradutor, próprio para crianças. Regra geral, todos os elementos considerados demasiado sofisticados foram alterados ou eliminados. Logo, os tradutores eliminaram sistematicamente qualquer sátira ou paródia do texto original. Os parágrafos que continham esses elementos não foram difíceis de omitir, pois não contribuíam para o enredo. Pelo contrário, a apresentação complexa do mundo no texto mostrou ser um problema mais sério para os tradutores, visto que não podiam desistir, completamente, dele.
            No original de Alice no País das Maravilhas, Carroll, deliberadamente, tornou impossível determinar se tudo acontece num sonho ou na realidade. Uma apresentação tão complexa não foi aceitável para os tradutores, que eventualmente resolveram o problema ao motivar toda a história como se fosse um sonho. Portanto, a transferência para a literatura infantil resultou numa apresentação simplificada que insistia na clara distinção entre a realidade e a fantasia. Por exemplo, uma das adaptações começa da seguinte maneira: Era uma vez uma menina chamada Alice, que teve um sonho muito estranho”.

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