sexta-feira, 2 de março de 2012


"Steiner"




Qualquer língua alguma vez falada por homens e mulheres, onde a palavra "língua" inclua os dialectos, as gírias, o calão, o discurso das diferentes classes sociais e as gerações dentro da mesma communitas, abre a sua própria janela à vida e ao mundo. Atrás da janela, a habitação foi desenhada e mobiliada por uma língua adequada, e esta reflecte-se através das vidraças, por vezes, até ao nível da opacidade. Por sua vez, o mundo percebido, nomeado e escrutinado, é reflectido na direcção oposta, no espaço discursivo disponível. O dialecto resulta desta troca incessante. A língua é feita da interacção entre a sua história (diacrónica) e o seu momento presente (sincrónico). Porém, existem línguas que parecem estar, estranhamente, perante janelas abertas, enquanto outras olham, apenas, o espaço interior ou através de persianas semi-cerradas. Mas em ambos os casos, os actos de visão e revisão são autónomos à própria língua. A luz nunca é igual.

Se rejeitarmos as ideias de catástrofe ou castigo sobrenatural, que explicação haverá para esta prodigalidade? Numa perspectiva racional, prática e utilitária, esta pletora é uma loucura e o desperdício na facilidade comunicativa, drástico. Os benefícios sociais, económicos e políticos da compreensão mútua, do rigor na definição e no consenso - científico, filosófico, mas também doméstico – derivados de uma língua mundial e de uma sintaxe unificada, são evidentes. Em nome do bom senso, que justificação haverá, neste pequeno globo, para a proliferação de um total estimado em 20.000 línguas diferentes? Deixem-me refinar esta previsão estabelecida em Depois de Babel (1975).

Para explicar a fantástica multiplicidade de espécies naturais, muitas vezes em territórios ínfimos (100.000 espécies de insectos num canto da Amazónia), a teoria darwiniana invoca o mecanismo da adaptação. Todas as espécies preenchem um nicho específico, com maior ou menor "aptidão" exacta, como se a natureza realmente abominasse o vácuo. A energia fervilhante do ser orgânico e o desenvolvimento, advêm deste aparente excesso e diferenciação. A analogia linguística é visível. Todas e cada uma das línguas humanas realizam um dos finais abertos no espectro de possibilidades. Estas possibilidades são as leituras do tempo e do mundo a que me referi. A palavra alemã Weltanschauung (Cosmovisão) é precisa. As potenciais percepções e interpretações, preenchem um nicho nos alvéolos da linguagem. Articula-se a construção de valores, significados e suposições, sem correspondência ou substituição exacta. Porque a nossa espécie tem falado e fala múltiplas e diversas línguas, engendrando a riqueza de ambientes e adaptando-se a eles. Falamos mundos.

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