quarta-feira, 28 de março de 2012




Escrita Dispersa
A partir de Walk Back, Look Ahead, a Chronicle, de Richard Simas.

The struggle to name and define a subject fascinates me.


Muito do que escrevemos reflecte quem nós somos na realidade. De facto, da nossa escrita, a partir das linhas e entrelinhas das escolhas que tomamos, emerge a nossa identidade.

(Alguém canta fado num clube de Montreal. Num quarto em Lisboa alguém ouve Arcade Fire. Qual destes mora no estrangeiro, qual destes está em casa. Onde fica Lisboa, onde fica Montreal).

Segundo Onésimo Almeida, «a literatura é mais um dos locais onde o espírito humano deixa transparecer muito do mundo que subjaz aos seus criadores», pelo que «reflecte de algum modo mais do que apenas o seu eu». A luta por definir um assunto sempre me fascinou, tal como definir a Literatura Açoriana por que Almeida tanto lutou. Contudo, o que mais me fascina é definir quem eu sou e, acima de tudo, que mundo deixo eu transparecer quando acabo de escrever.


Quando se fala de identidade, aquilo que nos liga a uma comunidade e é por isso género em relação ao indivíduo e particular em relação a um Sujeito Universal, a um Ser Humano, quantos de nós pode dizer qual é a sua morada, pode dizer que tem uma morada. O que habitamos hoje em dia são, sobretudo, não-lugares, lugares de trânsito, viajamos entre identidades mais do que repousamos nelas. Ainda que na bagagem levemos sempre lembranças, fotografias, filmes, roupas e canções que nos trazem recordações e nos levam de volta para esses lugares que nos fazem.


A meu ver, sou um escritor disperso, de texto diverso, mas ao chegar a esta ilha sei que estou no sítio certo. Sinto que estou mais perto do passado, pois agora estou mais qualificado para procurar. Entretanto, faço o que sei fazer melhor: exagerar. Para mim, escrever é falar, é falar sobre Escritas Dispersas, sobre Convergência de Afectos, falar sobre mim, sobre línguas e dialectos. É quem eu sou e porque aqui estou.


Escritas dispersas. Que se multiplicam por folhas soltas, por suportes distantes, por vozes diversas. Que são levadas pelo vento e são vento.


Afinal, sou um imigrante cultural. É-me intrínseco o movimento, por isso deixei a solarenga Califórnia pelo frio de Montreal. Aprendi uma nova língua, o francês, e os anos passaram. Agora aprendo uma língua velha, o português, a que me deixaram. Simultaneamente volto atrás para ver os passos que ficaram marcados e olho em frente, caminho para o futuro certamente, para descobrir aonde irei. Finalmente encontrei a minha boca calada e agora irei tentar, irei fazer com que esta se abra.


Escrita como extensão de uma mente vagueante que não tem, que não conhece, que esqueceu a sua morada, ou o caminho, ou que perdeu o mapa, ou que prefere fazer-se cartografa de si mesma, ou inventar o próprio caminho, ou fazer-se o caminho. Ou escrita não de uma mente, não só de uma mente, mas de um corpo, escrita matéria que é pó, que é alcatrão, que é calçada, escrita que se faz no desenho dos próprios passos sobre o caminho. Escrita que é corpo, que são passos, que é caminho, que é pó, que é alcatrão, que é calçada.


Concebido, ainda não nascido, viajou o meu avô no ventre de sua mãe, Conceição, cujo nome é típico das ilhas e diz a sua concepção.

O que significa aqui to walk back? Andar para trás, voltar atrás? Na escolha de uma ou outra opção está em causa um julgamento quanto ao lugar e nível de autonomia de um indivíduo relativamente à sua comunidade, à história de uma família. “Andar para trás” diz percorrer um caminho na direcção inversa à que está a ser tomada, como quando idealmente invertemos a nossa marcha natural, biológica, em direcção ao futuro e recuamos até ao passado. Deste modo um indivíduo pode “andar para trás”, fazendo o caminho feito por si, mas também o caminho daqueles que o precederam, e que ele próprio não fez. “Voltar atrás”, pressupõe fazer-se um caminho que um mesmo “sujeito” já percorreu, fazer em sentido inverso o caminho já feito por esse “sujeito”. Um indivíduo só “volta atrás” num caminho que antecede a sua existência biológica se for tomado como momento de um “sujeito” que supera os limites materiais que definem a existência individual. Só assim a diáspora dos nossos avós se faz a “nossa” diáspora, só assim podemos remeter a nossa origem para fora da nossa geração biológica, só assim podemos definir o percurso de procura das raízes da diáspora de uma família, como sendo da busca das nossas próprias raízes, como sendo um percurso que “nos traz até casa”.

Simas on the final migration and how the departed are remembered by those who are left behind ou The End:
E por fim o caminho que os outros fazem à nossa procura. Por fim lápides assinaladas com imagens espectros do que já não somos, com nomes que já não nos pertencem mas àqueles que nos chamam. Por fim a última morada ornada de bandeiras e flores de plástico, coisas que traem nossa existência transeunte.

Por fim o Fim.


Marcos Cravinho
José Oliveira




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