terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Narrative Medicine, Rita Charon


Plot (páginas 18 e 19, 1º-3º parágrafo)

O enredo de uma história é como uma proteína, uma cadeia de aminoácidos. Uma sequência de aminoácidos simples não é suficiente para a proteína actuar. Para além de uma ordem, a proteína precisa de forma para funcionar. Precisa de se enrolar sobre si mesma para formar pontos ou locais de contacto para outras moléculas. A hemoglobina, por exemplo, é uma longa cadeia de aminoácidos, enrolados de modo a acomodar no seu interior um átomo de ferro. Só quando está configurada para que haja um ninho para o átomo do ferro é que a proteína consegue cumprir a sua função de transportar oxigénio. Da mesma maneira, o enredo começa como uma cadeia de acontecimentos cronologicamente ligados. Normalmente, estes acontecimentos podem ser expostos em poucas frases: “John Marcher e May Bartram conhecem-se em Nápoles e são apanhados por uma tempestade num pequeno barco na baía. Muitos anos mais tarde, voltam a encontrar-se na casa de campo de um amigo mútuo e começam uma intimidade casual. Nunca casam, em parte devido à crença fatalista de Marcher de que algo terrível lhe vai acontecer. May oferece-lhe o seu amor, mas Marcher não a ouve. Somente quando May morre de uma doença sanguínea é que Marcher percebe o erro terrível de não ter aceitado e correspondido o amor de May". Edificado nesta frágil estrutura de enredo, o romance A Fera na Selva, de Henry James, desencadeia uma intensidade e uma acepção tremenda em virtude não do que “aconteceu”, mas em virtude de como o que aconteceu se desenvolve, se enrola sobre si próprio em flashbacks reflectivos e esforços trepidantes de prever o futuro. O que “está” aninhado nesta entrelaçada cadeia de acontecimentos, é o amor silencioso de May, o solipsismo odioso de Mercher, o lugar do casamento nas vidas normais, as fontes de angústia e mágoa e a noção de como o nosso valor depende do pesar de outrem aquando da nossa morte.
Não é possível, claro, separar o enredo da forma em que este nos é apresentado. Ao descrever a relação do enredo (ao qual James chama de “ideia”) com a forma no ensaio “The Art of Ficcion” (A Arte da Ficção), James diz que “em proporção com o sucesso da obra, a ideia atravessa-a e penetra-a, informa-a e anima-a, para que todas as palavras e toda a pontuação contribuam directamente para a expressão; nessa proporção perdemos a sensação da história tratar-se de uma espada que poderá ser mais ou menos desembainhada. A história e o romance, a ideia e a forma, são a agulha e a linha e nunca ouvi falar de alfaiates que recomendassem o uso da linha sem a agulha ou da agulha sem a linha.” Tal como um biólogo, hoje em dia, nunca diferenciaria anatomia de fisiologia; o leitor sabe que não pode afirmar que o enredo é separável da forma.
Todavia, algo acontece nas histórias – algo para lá da linguagem ou do estilo adoptados. E “esse algo que acontece” nem sempre é claro – ambiguidades propagam-se em obras modernistas como Rumo ao Farol, de Virginia Woolf ou Finnegan’s Wake, de James Joyce e em romances pós-modernistas como A Seta do Tempo, de Martin Amis ou A Trilogia de Nova Iorque, de Paul Auster. Os leitores inexperientes temem não conseguir ver o enredo na sua totalidade. Procuram por fontes como Cliffs Notes ou outros tipos de garantias de que estão a “perceber” o que é esperado de uma leitura. Depois de vidas passadas a ler, ganham confiança na sua capacidade para interpretar o significado de uma obra e acreditam que esta estará à altura da dos outros. Quando Frank Kermode escreve que “as ficções servem para descobrirmos coisas e alteram-se à medida que a necessidade de fazer sentido se altera”, insinua da pluripotência da ficção, da sua flexibilidade em mãos diferentes.

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