Plot (páginas 18 e 19, 1º-3º parágrafo)
O enredo de uma história é como uma proteína, uma cadeia de aminoácidos.
Uma sequência de aminoácidos simples não é suficiente para a proteína actuar.
Para além de uma ordem, a proteína
precisa de forma para funcionar.
Precisa de se enrolar sobre si mesma para formar pontos ou locais de contacto
para outras moléculas. A hemoglobina, por exemplo, é uma longa cadeia de
aminoácidos, enrolados de modo a acomodar no seu interior um átomo de ferro. Só
quando está configurada para que haja um ninho para o átomo do ferro é que a
proteína consegue cumprir a sua função de transportar oxigénio. Da mesma
maneira, o enredo começa como uma cadeia de acontecimentos cronologicamente
ligados. Normalmente, estes acontecimentos podem ser expostos em poucas frases:
“John Marcher e May Bartram conhecem-se em Nápoles e são apanhados por uma
tempestade num pequeno barco na baía. Muitos anos mais tarde, voltam a
encontrar-se na casa de campo de um amigo mútuo e começam uma intimidade casual.
Nunca casam, em parte devido à crença fatalista de Marcher de que algo terrível
lhe vai acontecer. May oferece-lhe o seu amor, mas Marcher não a ouve. Somente
quando May morre de uma doença sanguínea é que Marcher percebe o erro terrível
de não ter aceitado e correspondido o amor de May". Edificado nesta frágil
estrutura de enredo, o romance A Fera na
Selva, de Henry James, desencadeia uma intensidade e uma acepção tremenda
em virtude não do que “aconteceu”, mas em virtude de como o que aconteceu se
desenvolve, se enrola sobre si próprio em flashbacks
reflectivos e esforços trepidantes de prever o futuro. O que “está” aninhado
nesta entrelaçada cadeia de acontecimentos, é o amor silencioso de May, o
solipsismo odioso de Mercher, o lugar do casamento nas vidas normais, as fontes
de angústia e mágoa e a noção de como o nosso valor depende do pesar de outrem
aquando da nossa morte.
Não é possível, claro, separar o enredo da forma em que este nos é
apresentado. Ao descrever a relação do enredo (ao qual James chama de “ideia”)
com a forma no ensaio “The Art of Ficcion” (A Arte da Ficção), James diz que
“em proporção com o sucesso da obra, a ideia atravessa-a e penetra-a, informa-a
e anima-a, para que todas as palavras e toda a pontuação contribuam
directamente para a expressão; nessa proporção perdemos a sensação da história tratar-se
de uma espada que poderá ser mais ou menos desembainhada. A história e o
romance, a ideia e a forma, são a agulha e a linha e nunca ouvi falar de
alfaiates que recomendassem o uso da linha sem a agulha ou da agulha sem a linha.”
Tal como um biólogo, hoje em dia, nunca diferenciaria anatomia de fisiologia; o
leitor sabe que não pode afirmar que o enredo é separável da forma.
Todavia, algo acontece nas
histórias – algo para lá da linguagem ou do estilo adoptados. E “esse algo que
acontece” nem sempre é claro – ambiguidades propagam-se em obras modernistas
como Rumo ao Farol, de Virginia Woolf
ou Finnegan’s Wake, de James Joyce e
em romances pós-modernistas como A Seta
do Tempo, de Martin Amis ou A
Trilogia de Nova Iorque, de Paul Auster. Os leitores inexperientes temem
não conseguir ver o enredo na sua totalidade. Procuram por fontes como Cliffs Notes ou outros tipos de
garantias de que estão a “perceber” o que é esperado de uma leitura. Depois de
vidas passadas a ler, ganham confiança na sua capacidade para interpretar o
significado de uma obra e acreditam que esta estará à altura da dos outros.
Quando Frank Kermode escreve que “as ficções servem para descobrirmos coisas e
alteram-se à medida que a necessidade de fazer sentido se altera”, insinua da
pluripotência da ficção, da sua flexibilidade em mãos diferentes.
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