Assim, Babel foi o contrário de uma maldição. A dádiva das línguas é precisamente isso: uma dádiva e uma bênção incalculáveis. A riqueza da experiência, as criatividades do pensamento e dos sentimentos, as delicadas e penetrantes singularidades de conceção viabilizadas pela condição poliglota constituem o preeminente processo adaptativo e a vantagem do espírito humano. Cada dicionário, cada gramática, mesmo que não escritos, corporizam os meios da descoberta evolutiva, nos pensamentos, na lei, nas narrativas que moldam o tempo. Uma língua lança a sua própria rede sobre os mares repletos da totalidade. Com esta rede, capta riquezas, variadas perceções e formas de vida, que de outro modo, nunca seriam concretizadas. (Existem afinidades de privação, ainda que num grau tristemente diferente, entre o monoglota e o mudo.) Sejam quais forem os inconvenientes no que diz respeito à facilidade de comunicação ou à “internet” do lucro prático, a prodigalidade das línguas depois de Babel é um “transcendente darwiniano”. Constitui um motivo de júbilo. Já em criança o sentia, com uma intensidade quase física.
As variedades de crenças e experiências religiosas, a gruta de Aladino das cosmogonias, aquilo a que Wallace Stevens chamava as “ficções supremas” das nossas filosofias e metafísicas, associam-se diretamente às diversidades linguísticas. São constituídas por linguagem (ns). As nossas literaturas são filhas de Babel. A intraduzibilidade decisiva de um texto poético ou filosófico (um assunto que abordarei mais adiante) declara o genius loci interiorizado por todas as línguas. A interação, raramente explorada, entre eros e discurso, dramatiza o privilégio do poliglota.
Podemos imaginar até que ponto a expressão dos desejos e fantasias sobre e entre parceiros sexuais interage com a fisiologia, com a qualidade, a cadência e a atmosfera da relação sexual. Porém, não sabemos quase nada sobre a interface psicossomática na qual o discurso e o sexo cooperam num desempenho conjunto. Existirá conexões entre áreas do discurso e sinapses no córtex e no sistema nervoso parassimpático? O que sabemos é isto: as autossugestões (masturbatórias), os tropos, os tabus transgredidos e o Carnaval impudico do discurso sexual, seja em solilóquio ou em diálogo, são componentes seminais do ato sexual em si. Falamos sexualmente para nós próprios e para os outros antes, frequentemente durante, e após a relação sexual ou o orgasmo. A palavra francesa jactance, jactância, uma emissão pulsante, aplica-se tanto à eloquência como ao erótico.
Como diríamos, em discurso natural português, "corporiza"...?
ResponderExcluirbom esforço.