quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Close Reading - Rita Charon - Forma





A forma do texto pode ser invisível excepto para os que estão preparados e têm capacidades para a ver. Como escreveu Percy Lubbock em The Craft of Fiction, “A forma de um romance …é algo que nenhum de nós, possivelmente, tenha, de facto, alguma vez contemplado. É revelada pouco a pouco, página a página, e é afastada tão rapidamente como é revelada. Como um todo, completo e perfeito, só pode existir numa memória mais tenaz do que a maioria de nós tem para se fiar”. Herdámos dos estruturalistas uma compreensão mordaz de como um texto é construído e de como os elementos formais do texto – o género, a divisão em partes, a dicção, as metáforas, as características do narrador – o dotam de significado para lá da denotação de palavras específicas ou de casos particulares de enredo. Nas secções seguintes, dou sequencialmente especial atenção ao género, à estrutura visível, ao narrador, à metáfora, à intertextualidade e à dicção, entre os elementos mais importantes da forma literária. Quando ensinamos leitura atenta, encorajamos os leitores a prestar especial atenção a cada um destes elementos da forma, para melhor avaliar não apenas o que trata um texto mas como este exerce a sua influência no leitor. Desenvolvi o hábito de pedir aos alunos para se agarrarem, com firmeza, a cada uma destas categorias ao examinar qualquer texto, especialmente quando aparentam ser inadequados. Identificar as metáforas num progresso interno de apontamento ou tomar consciência de que o género de um sumário de alta ditado sobre a morte de um paciente é um obituário, são novas maneiras de abrir textos -  e autores, e leitores – ao conhecimento do tipo de trabalho que o texto alcança.

Género: Este texto é um conto, um obituário, um romance epistolar, uma lenda gótica, uma comédia negra ou um poema lírico? Cada tipo de texto literário, ou género, tem as suas próprias regras e convenções, exigindo específicas aptidões ao escritor e clamando por particulares formas de atenção ao leitor. Um leitor pode ser completamente enganado se aplicar as regras de leitura para autobiografias à leitura de ficção científica, ou as regras de leitura para a peça Elizabethan à leitura da peça de Beckett.
Porque um género literário é um organismo vivo e activo, que evolui em relação ao seu tempo e cultura, vai-se renovando e aventurando-se num solo novo enquanto se recapitula e presta homenagem ao que o precedeu. Bem como as doenças, os géneros não são entidades estáticas. Novos géneros surgem a partir de antigos, os antigos são revitalizados, aparecem combinações de vários géneros e tomam de assalto o mundo da leitura. O que é The English Patient de Michael Ondaatje? É um romance, claro, mas inserido no romance estão investigações climatológicas sobre areias do deserto e ventos africanos, a física de neutralização de bombas e a história antiga contada por Herodutus. O que é Austerlitz de W. G. Sebald, se não uma combinação contínua de sonho, memória nacional, monólogo psicanalítico e apontamentos do artista? Quando nos apercebemos que o registo hospitalar é um género com as suas próprias regras precisas de composição, desbloqueamos um método poderoso para estudar o próprio texto, bem como a acção que tenta representar.
Impressiona-me o impacto que a identificação do género pode ter em leitores inexperientes. A sugestão de que a história de Tillie Olsen, Tell me a Riddle, é genericamente uma adivinha, ajuda os meus alunos a tolerar as suas próprias dúvidas ao lerem sobre Eva. No ano passado, um aluno ensinou-me que o ensaio reflexivo The Resurrectionist, de Richard MacCann, é uma carta de agradecimento ao dador de fígado mencionado no texto. The Lame Shall Enter First, de Flannery O’Connor, pode ser lido muito mais produtivamente se houver a percepção de que é, tal como o título, uma parábola.

Um comentário:

  1. Cuidado com algumas traduções mais apressadas...
    o que é a alusão?
    "igual ao título" não será "tal como o seu título"?

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