(proferido em São Luís do Maranhão em 1654)
Vento cais afora (vindo do cais) às cinco da manhã. Céu ainda negro na janela
virada a oeste, as ruelas já soando a trabalho – metal
batendo em cimento lá para o lado das docas, uma máquina, um apito distante,
bem alto e agudo. Aqui na minha mansarda dou passos e sento-me (detenho-me) com
Santo António que fala aos peixes. Ele afastou-se da sua
congregação (auditório – termo usado no sermão de referência) já que nunca o escuta. Vira-lhe
as costas. Convoca os peixes. Eles acorrem. Estão mesmo
enlevados. Ouvem e assentem com as cabeças a assomar fora
da água. Abanam as caudas. Estão extasiados. A primeira cousa
que me desedifica, peixes, de vós, diz ele, é que vos comeis uns aos outros!
Abro as janelas acima da minha cama e a seguir as acima
da mesa e a brisa é áspera e limpa tudo de lés a lés, acima
do soalho e abaixo das empenas inclinadas. Santo
António é mesmo engraçado. Não gosta do polvo, mas tem de se tomar isso
à conta de um certo preconceito desse tempo – todo aquele ardiloso mudar
de cor e todos aqueles braços esquisitos – certamente ao serviço das trevas. Oh,
ele tem de usar os homens como parábolas para os peixes! Que outro modo haveria para
os fazer ver os seus erros? Mas acaba por dizer a todos esses reluzentes bacalhaus, robalos,
e eglefins (hadoques) que as suas palavras de nada lhes servirão, por muito
que estejam atentos e dóceis, colaborantes e agradecidos??.
Afinal, não têm alma. Toda essa história de redenção se lhes
não aplica, por isso o sermão não pode terminar para eles em graça ou glória.
Ainda estou a pensar nisso, depois do café, já com sol, e o vento agora bem
nos níveis mais altos de aviso à navegação para pequenas embarcações, embora não consiga
ver as bandeirolas daqui. Não tarda, os miúdos da escola aparecem a enfileirar
do lado de lá da rua estreita. Mulheres gritam-lhes sem cessar, façam
fila, façam fila. Depois vêm as canções (cantam canções). Quando as crianças não
percebem alguma coisa, as mulheres gritam mais alto. E então dizem coisas
outra vez em português. Isso faz música debaixo dos plátanos ondulantes e
castanheiros e carvalhos. Agora há luz por todo o lado e o telhado acima da minha
cabeça bate ao vento. A rua está resplandecente. O dia abre-se de par em par. Faço
mais café. Pode sempre arrecadar-se alguma coisa. Às vezes as bênçãos desabam-nos
em cima como uma chuvada – baixamos a cabeça e tentamos proteger-
-nos delas, porque não as conseguimos ver como são. Mesmo
Santo António, embora os peixes não possam ascender à glória, lhes diz:
Benedicite, cete et omnis [sic, omnia no original] quae moventur in aquis. Louvai a Deus porque
Ele vos criou em tanto número, vos distinguiu em tantas
espécies, vos vestiu de tanta variedade e formosura,
vos deu um elemento tão largo e tão puro, Ele que, vindo a este mundo,
viveu entre vós. Vendo bem, isto parece ser suficiente para qualquer um.