segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Minha Tia Entre os Lirios


A minha tia entre os lírios

Nunca houve lírios.
As irís cresciam numa carreira
de tijolos à frente da casa,
o malvaísco empertigava-se atrás
da nossa sebe e as glórias-da-manhã
feriam a cerca
com as suas bocas mordazes.
Conseguia vê-la, a luz
expandindo-se a partir das flores
e apanhando as rugas
da sua garganta, intensificando
o brilho cor de avelã da sua pele,
como se alguma acção de juventude
lhe tivesse sido transmitida, algum
compromisso de renovação. Mas logo
uma sombra nunca esquecida
cruzava-lhe a face. Porque
andava ela sempre assim,
ao longo das rigorosas fronteiras
da casa, o seu vestido
enrugado no calor estival,
o seu Rosário enlaçado no pulso?   
Não era terrena
a sua missão – nenhum interesse
pelo regador ou pelo ancinho
ou pela pá. Vi-a uma vez
a aproximar-se de um canto musgoso
e tirar de lá um grilo
empoleirado na curva
da sua mão artrítica, observá-lo
com admiração e depois
largá-lo, esmagá-lo
debaixo do tacão do seu
salto preto. Ergueu-se
de seguida com a respiração pesada
e assomou-se sobre o quintal,
como uma santa sombria que veio
desbastar este mundo
de violentas conversões.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário