Havia uma vez
um coelhinho, uma gatinha e um cão que viviam juntos num quintal.
O coelhinho
era castanho, com grandes orelhas fofinhas. A gatinha era preta, e como todas
as gatinhas tinha umas orelhinhas pequeninas. O cão era um enorme cãozarrão que
soltava um poderoso “ão-ão”.
Eram todos
felizes, todos contentes. O coelhinho adorava as suas orelhas grandes, a
gatinha sentia-se feliz por tê-las pequeninas, e o cão orgulhava-se do seu
poderoso “ão-ão”.
Um dia chegou
numa velha carroça um homem que fazia negócio com ferro- velho. “Quem tem sucata?
Quem tem tralha?” cantava o homem da sucata. O dia estava fresco. O homem da sucata
começou a espirrar...
– Quem tem tra...a...a...ah...
O coelhinho, a
gatinha e o cão sustiveram todos a respiração até que o homem da carroça
terminasse o espirro:
– A... tchim! A... tchum....! A.... tcha-tchão!
Foram três
espirros valentes. Tão valentes que o homem da sucata foi lançado num sopro até
desaparecer estrada abaixo... com a carroça e o cavalo e tudo!
– Pela minha
santinha! – disseram um ao outro o coelhinho, a gatinha e o cão. E depois viram
que uma coisa estranha tinha acontecido.
A gatinha
preta tinha as orelhas grandes do coelhinho.
E o coelhinho
castanho tinha as orelhinhas pequeninas do gatinho.
– Ora que tolos que vocês parecem – disse o
cão.
Mas foi então
que também ele se sentiu tolo. Porque, quando abriu a boca, não lhe saiu nenhum
poderoso “ão-ão”, e a sua voz era só um débil miau.
– Pela minha santinha digo eu! – exclamou a gatinha.
Mas estas palavras
saíram-lhe num terrível e poderoso ão-ão! E até caiu de costas, de tão
espantada que estava de se ouvir a ladrar. E foi então que viu as suas
orelhinhas pequeninas na cabeça do coelhinho onde deviam estar umas orelhas
grandes!
– Dá-me já as
minhas orelhas! – ladrou a gatinha.
– Dá-me já as minhas
orelhas! – guinchou o coelhinho.
E o cão só
sabia correr às voltas, a miar que nem um gato!
O coelhinho
ficou com soluços de tão transtornado que estava.
– Foi por
causa dos.... hic—hic! ... atchins... que ficámos.... hic––hic!...
assim!
– Ão-ão! – ladrou a gata. – Vamos mostrar ao
homem da sucata o que os espirros dele fizeram e obriga-lo a pôr as coisas como
estavam dantes!
Puseram-se então a caminho em busca do homem
da sucata.
Foram
andando e logo encontraram uma gansa. Toda ela estava cor-de-rosa e levava
todas as suas penas num cestinho.
-
Perdão – disseram o coelhinho, a gata e o cão – Mas por acaso não viu um homem
da sucata a passar por aqui?
-
Não vêem que passou?! – grasnou a gansa, batendo a sua pata de barbatana. – Espirrou-me as
penas todas! E vou à procura dele para obrigá-lo a pôr tudo como estava dantes.
Então
lá foram andando todos juntos.
Encontraram
logo um galo, que levava a sua crista vermelha no bico e as penas da sua cauda
cresciam-lhe na cabeça, onde a crista devia estar.
-
Perdão – disseram o coelhinho, a gata, o cão e a gansa cor-de-rosa – Mas por
acaso não viu…
-
Não digam mais nada – cacarejou o galo, deixando a sua crista cair. – Aquele
malvado homem da sucata, sempre a espirrar sarilhos para as pessoas! Vejam só
como está a minha bela crista vermelha…cheia de pó! Vou obrigá-lo a pô-la como
estava dantes.
Então lá foram andando todos juntos.
Encontraram
logo um menino, que vestia apenas meio casaco e só tinha um sapato. O outro
sapato estava virado ao contrário e cima da sua cabeça, como um boné esquisito.
Quando
o menino viu os animais e ouviu a gata ladrar e o cão a miar, riu-se tanto que
caiu do muro abaixo.
-
Também vos espirraram! – exclamou ele . – Ora, não se sintam mal…vejam só o meu
belo casaco novo! E o espirro apertou-me tanto o sapato que ele não me sai da
cabeça. Puxei e voltei a puxar!
Os
animais tentaram ajudar a puxar, mas parecia que o sapato estava espirrado de
pedra e cal.
-
Vamos procurar o homem da sucata – disse o menino – E obrigá-lo a tirá-lo
daqui!
Então
lá foram andando todos juntos.
Encontraram
logo uma menina no meio da estrada a enrolar os dedos dos pés e a chorar. Tinha
nas mãos duas longas tranças cor de caramelo claro. Eram dois belos totós.
Que
pena terem sido espirrados da cabeça para fora!
Claro
que a menina se pôs a caminho com eles para procurar o homem da sucata.
Passo
a passo, os amigos chegaram a uma casa a cair aos bocados.
Lá
dentro havia alguém quase, quase a espirrar…
Ah…ah…ah…ah…
Os
amigos sustiveram a respiração e esperaram que saísse o espirro.
Saiu…
Catchaia!
O
espirro atirou o cavalo e a carroça ao ar!
Aterraram
no telhado da casa a cair aos bocados.
-
É aqui, de certeza! – gritou o menino. Foram todos a correr bater à porta.
O homem da sucata acenou à porta a enxugar os olhos. Olhou para aquele curioso
grupo de amigos.
-
Ah! ah! ah! ah! – riu-se.
-
Rof! Rof! De que é que te estás a rir? – ladrou a gata.
-
Miau! Foste tu, tu e os teus malvados espirros – acrescentou o cão.
-
Ah! ah! ah! ah! – riu-se outra vez o homem da sucata, para logo de seguida se
assoar. – Então…é assim…que eu espirro!
-
O que vai dizer a minha mãe quando lhe disser que fiquei sem tranças? –
lamentou-se a menina.
-
A escola inteira vai-se rir de mim, quando me virem de sapato na cabeça! –
choramingou o menino.
-
Ninguém vai gostar de mim com estas orelhas pequeninas – guinchou o coelhinho.
-
Nem de mim com estas orelhas enormes! – ladrou a gata.
-
Como é que vou guardar a casa sem o meu poderoso ão ão – miou o cão.
-
Vou gelar sem as minhas penas – grasnou a gansa.
-
Nenhum galinheiro me vai querer – cacarejou o galo com cara de poucos amigos.
-
Pronto, pronto – disse o homem da sucata. – Não se zanguem meus caros. Acho que
quando espirro me sai uma palavra qualquer esquisita e acontece uma espécie de
magia. Mas nunca sei qual a palavra que vai sair, porque nunca espirro duas
vezes da mesma maneira.
-
Então e nós? O que vais fazer connosco? – perguntaram os amiguinhos em coro.
-
Vou tentar espirrar tudo como deve de ser – disse o homem da sucata.
-
Portanto, tenho de continuar a espirrar até a palavra certa me sair!
Polvilhem-me o nariz com pimenta. Vai ajudar-me a começar.
A
menina encontrou a pimenta. – Cá vai – disse ela – com uma sacudidela.
O
homem da sucata espirrou, mas só um espirro normal e corriqueiro:
-
Chui!
Não
aconteceu nada. Nada de nada.
-
Mais pimenta, por favor! – disse o homem da sucata – Preciso de me sentir mais
espirrador.
A
menina tirou a tampa ao pimenteiro. E despejou uma grande quantidade de pimenta
no nariz do homem da sucata.
E
o homem da sucata fez…
Ahah…ahahum…ahahum…ahahum…ahahum…ahahum…ahahum…
Todos
sustiveram a respiração, porque sentiam que algo ia acontecer!
Tchom! Cruzes Canhoto! Chapéus de
coco!
E
algo aconteceu, sim senhor, mas não aquilo que queriam.
A
mobília voou janela fora! A casa levantou-se bem alto! O cavalo e a carroça
também. E todos caíram com um catrapum! Num sítio completamente diferente,
muito melhor do que antes.
Todos
se levantaram para ver se tinham tudo no sítio. Mas não tinham nem um arranhão.
-
M…m…ma…ma…mais! - gaguejou o homem da sucata.
A
menina chegou-se à frente. E atirou com todo
o pimenteiro ao homem da sucata!
O
homem da carroça arregalou-BEM-os olhos!
E
abriu-BEM-a boca!
E
soltou sete enormes espirros sísmicos!
Catchim!
As
orelhas do coelhinho e da gatinha voaram pelos ares! E voltaram a aterrar nos
sítios certos… as grandes orelhas do coelhinho e as orelhinhas pretas no
gatinho!
Catcham!
O
cão saltou pelos ares…e ladrou!
Catchum!
A
gatinha miou!
Cactchatchirra!
As
penas voaram do cestinho e agarraram-se à gansa outra vez!
Patetchirra!
A
crista do galo voou-lhe para a cabeça e as penas da cauda ficaram mesmo no
sítio onde devem estar!
Irratchice!
O
casaco do menino ficou inteiro num espirro e o sapato voltou no mesmo espirro
para o pé!
Irra,chatiche!
Os
totós da menina voltaram para a cabeça da menina e de lá não saíram!
Estava
tudo de volta ao normal!
-
Bolas – disse o homem da sucata, a enxugar os olhos. – Isto é que foi uma
trabalheira, mas ainda bem que está tudo na ordem outra vez.
De
repente, fez cara de quem ia espirrar. – Fujam! – gritou o homem da sucata. –
Fujam todos, enquanto seguro o nariz!
Levantaram-se
todos de um pulo e correram para fora do jardim, antes que o homem da sucata
conseguisse espirrar outra vez! E foram a correr, a correr até casa!
(Edição de Susana Martins, Telma Ribeiro e Sónia Macedo)